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O melhor de dois mundos.



Levei muito tempo para descobrir a delícia de tricotar com uma amiga. Nessa vida sempre estive em companhia dos homens ou sozinha. Cresci no campo, cercada de silêncio. Minha mãe (minha amiga) sempre foi uma mulher prática. Nunca a vi perder horas se arrumando, nem se permitindo luxos femininos. Maquiagem passou ao largo. Meus irmãos, homens, eram minhas melhores companhias, ou melhor, os amigos dos meus irmãos. Minhas lembranças solta no mato são de muita conversa interior, profunda comunhão com a natureza, ou brincadeiras de polícia e bandido no bosque, escaladas de árvores e morros, Mountain bike (quando isso nem existia de fato), montaria e jogo de futebol americano no campo da Coudelaria do Exército, que ficava vizinho à chácara. 

Sempre cercada de moleques, eu era boa de luta. Não porque fosse truculenta, mas porque, pequena e franzina, eu me dava o direito de fazer cócegas, dar umas mordidas ou puxões de cabelo. Muito justo já que não podia ganhar pela força bruta. Eu era uma garota legal e os meninos estavam sempre a me chamar para a bagunça. No futebol americano, por exemplo, eu podia pular sobre o adversário e dizer: - Me dá a bola, Carlos! Ganhava a bola e saia correndo até a base final. Afinal, nenhum dos meninos tinha a coragem de se jogar sobre uma garota, por pura compaixão ou acanhamento, sei lá. Nunca vou saber. Enfim, privilégios de ser uma menina, entre garotos para lá de especiais. Claro que eu tinha amigas na escola, mas o que poderia ser mais divertido do que fazer as coisas que meninos faziam? É claro, também, que eu senti falta da troca de confidências, troca de segredinhos sobre beleza, visita ao shopping com as amigas para andar por hoooooras olhando vitrines. Mas, mesmo na juventude, meus melhores amigos sempre foram homens. 

Só recentemente, mãe de uma menina, que percebi que se eu precisava conhecer melhor o universo feminino para poder passar isso para ela. Afinal, ela poderia ter o melhor dos dois mundos. Passei a fazer programas exclusivos com as amigas, sair ao shopping e finalizar a tarde num café falando de maridos e filhos. Uma delícia! Trocar receitas ou passar a tarde com uma amiga que é designer de moda e deixar que ela faça umas roupas divinas para mim, então, nem se fala! Entrar numa loja de cosméticos juntas e experimentar perfumes e escolher maquiagem. Simplesmente, fantástico! Um ti, ti, ti gostoso e musical... Risadas e fofocas... Cumplicidade feminina... 

Nessa descoberta de um novo mundo tive o prazer de me descobrir mais feminina. ok! Mas não pensem que deixei de ser boa de luta. Ainda derrubo meu marido no gramado lá de casa, mesmo que continue a precisar fazer uso de mordidas, cócegas e puxões de cabelo.

Comentários

Unknown disse…
Que lindo esse texto. Adorei.
Sim, eu tinha minhas amigas na infância e adolescência, mas nunca fui da turma do ti-ti-ti, nem de brincar de boneca. Minha irmã, pelo contrário, era A boneca!
Só na faculdade que criei laços grandiosos com algumas amigas.
30% mulheres, essa é a porcentagem de amigas que tenho. Das que eu posso tricotar. Mas também tricoto horrores com meus amigos.
Beijoks
Anônimo disse…
oi
bonito esse teu texto. imprima-o e guarde numa pasta. sua filha vai adorar daqui alguns anos. só tem lembranças que fez história.
bjs
Anônimo disse…
Também amei o seu texto. Eu acho que na infância e na adolescência e vida adulta eu tive um pouco de cada, o lado tomboy e o lado menininha. Acho que me transformei numa moleca fresca. Porque não levo jeito para tricotar, prendas domésticas, etc, era boa de briga com meu irmão e sempre me dei bem com amigos homens, mas eu amo essa coisa de sair para fofocar e tomar café com amigas. Não dá para abrir mão nem de uma coisa nem de outra. Bjs,
Viscondi disse…
super pat, que bom tê-la inspirado. o seu texto é bárbaro, e não se aflija por não ter tido espaço em sua infância/adolecência para tricotar com amigas. O que você fez também é válido e ficará para sempre registrado em sua memória afetiva. Não importa o que fizemos, o que importa é se amamos o que fizemos.
um beijãojãojãozãozãozãozão.
Patricia kenney disse…
Flávia, tem coisa mais gostoda do que tricotar?
hahaha

Leila, gostei do termo moleca fresca.

Paulo, viu só, que incrível coincidência com o seu post?!

Viscondi, obrigada amigo. beijãojãojão para ti também.
Anônimo disse…
Incrível o texto...uma viagem.
Patricia kenney disse…
Alexandre,
Obrigada pela visita.
Fiquei muito honrada de descobrir que você me colocou entre seus blogs favoritos. Já fiz seu link aqui também. Seus contos são fantásticos.
beijos
pat
Anônimo disse…
Pat!
Muito obrigado pelo elogio e o link. Seu blog é incrível e nada mais justo que ter vc linkada para q eu possa desfrutar do seu talento, e outros também.
Anônimo disse…
Todas as brigas do mundo deveriam ser assim: puxões de cabelo, cócegas, mordidas. Finalizadas com estrondosas gargalhadas, de preferência.

Um abraço.
Viscondi disse…
Minha amiguinha e companheira de viagem. Estou saindo de férias e devo retornar somente por volta do dia 12. até lá não postarei nem visitarei, pois vou viajar e não quero nem chegar perto de um computador.
desejo, do fundo da minha alma, que seu natal e seu ano novo sejam de todo, os mais felizes da sua vida.
um grande beijo.
Anônimo disse…
Grande texto, amiga... nada como ser mulher e curtir tanto coisas femininas quantos masculinas. Penas que os homens não se dêem a chance de experimentar o outro lado como nós...

Beijão
O que me fez muita falta na minha infância foi essa troca com os meninos, embora eu adorasse minhas amigas. os meninos vinham p/ brincar de casinha, mas não aceitavam a gente p/ jogos masculinos. Uma tristeza.por outro lado, eu era a única pessoa que tinha uma coleção enorme de gibi, aí eles viviam atrás de mim por causa da minha coleção dos super heróis Marvel. Eu preferia meus herois que eles. um de meus melhores amigos na infância foi um menino gay, e a gente sabia que ele era gay e eu adorava a sua amizade. Mas à partir da adolescência,sempre tive amigos homens.

Muito bonito o teu texto. me fez viajar no tempo.

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